Tenho tido pouco tempo para escrever aqui no BOOM or DOOM mas li uma notícia que me deixou intrigado e aproveito para partilhar.
Germans 'better off without euro' - poll @ The Telegraph
Isto deixa-me apreensivo. Se os alemães acham que estariam melhor sem o euro então o euro é/era do interesse de quem?
O problema é mesmo esse. Está tudo ao contrário - o euro foi bom para os alemães ressuscitarem a sua economia que estava estagnada nos anos 90 e agora nem os alemães querem o euro. Das duas uma, ou estão mal informados ou acham que já usufruíram do euro o suficiente; eu aposto na primeira hipótese.
E o outro lado do problema está nos países do sul - esses sim deveriam estar a favor da saída do euro mas não estão (pelo menos não maioritariamente ou não assumidamente). Verdade que as alternativas políticas aos pró-euro podem não ser fáceis de aceitar pela maioria da população mas o que está em causa são as políticas dos próprios partidos pró-euro. A economia portuguesa, nomeadamente, está a atravessar a crise mais severa da sua história. As políticas que estão a ser seguidas insistem em ignorar os ensinamentos da história e, assim, vai continuar a fazer-se história.
Em resposta a alguns comentários recentes, aqui vai um primeiro post.
Não foram os défices públicos que nos trouxeram até esta crise. Pelo contrário, os elevados défices e o crescimento das dívidas públicas no mundo todo foram consequência da crise.
Para quem não concorda basta olhar para os casos como a Espanha ou a Irlanda que tinham as contas públicas mais do que em ordem. E mesmo Portugal tinha, em 2007, uma dívida pública de apenas 68% (apenas mais 3 pp. que a Alemanha).
Ora, em consequência da crise, isso sim, e uma vez que a primeira resposta, ao nível global, foi uma resposta no sentido correcto - aumento da despesa para reanimar a economia - aí sim os défices foram significativos, como tinham de ser. O problema veio pouco depois, quando os políticos das principais economias do mundo acharam que a crise era um problema já ultrapassado. Isto, aliado a uma preocupação crescente e infundada com as dívidas públicas levou os governos a cortarem cedo demais os apoios à economia e a recuperação esfumou-se. (Vejam este post com a história das conclusões das reuniões do G20 desde o inicio da crise)
E sim, a preocupação com as dívidas públicas era e é infundada - senão recorde-se que os Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, apesar de terem défices e dívidas públicas bem mais elevadas que em 2007, têm hoje as taxas de juro a níveis nunca vistos de tão baixos que são. E apesar dos países do Sul da Europa terem visto os seus juros aumentar não podemos confundir as coisas. Os juros de Portugal e dos demais aumentam porque os mercado perceberam há muito tempo que o euro, assim como ele é hoje, não tem futuro. Portanto, no caso de um breakup do euro todos sabemos o que aconteceria.
Nomeadamente, ao nível das taxas de cambio, países como Portugal sofreriam fortes desvalorizações contra fortes valorizações em países como a Alemanha, e podíamos mesmo ter um default parcial das dívidas de países como Portugal. É isso que os mercado temem e daí, nos últimos anos, as taxas de juro terem divergido tanto entre países como Portugal e países como a Alemanha. O que está em causa não é o tamanho exagerado do governos em Portugal ou na Grécia (que só por acaso é tão grande como na Alemanha). O que está em causa é Portugal como economia. Economia essa que dentro da zona euro actual não tem futuro e, como sabemos, a dívida externa de Portugal, tanto pública como privada, paga-se com o que a economia produz.
E como nunca é demais, Martin Wolf descreve hoje no seu blog o que Espanha fez mal (ou não). Mais uma vez é a famosa teoria dos países do sul irresponsáveis a ser desacreditada com factos - lembram-se do meu post Quem é Quem?. Para Wolf "Spain made only one big mistake: joining the euro".
What was Spain supposed to have done? by Martin Wolf @ Martin Wolf's Exchange
"Os povos da zona euro estão como os prisioneiros de Colditz, encarcerados numa fortaleza monetária com flexibilidade de granito." A referência a Colditz não é casual - é um castelo onde os alemães mantiveram os prisioneiros de guerra considerados "incorrigíveis" durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje não são prisioneiros de guerra mas sim povos do sul irresponsáveis.
The eurozone's people are like prisoners in Colditz, Simon Jenkins @ The Guardian
Série de excertos de uma entrevista com Paul Krugman que serão publicados durante a semana.
Primeiro parte: Economist Paul Krugman on Germany's 'Whips and Scourges' @ PBS NEWSHOUR
Pois, o país B é mesmo a Espanha e o país A a Alemanha.
Por estranho que pareça, entre 1999 e 2007, o saldo das contas públicas foi, em média, -2,2% na Alemanha e +0.2% em Espanha. Portanto um défice médio de 2,2% na Alemanha e um superavit médio de 0.2% em Espanha. Também importante é o facto da Espanha ter cumprido sempre o limite dos 3% do défice entre 1999 e 2007. Já a Alemanha nem por isso, em 9 anos furou a barreira dos 3% por 5 vezes.
E a dívida pública? Em 2007, era de 65% na Alemanha e de 36% em Espanha.
Parece que isto é um bocado contraditório face à ideia que se tem passado, lamentavelmente com bastante sucesso, de que a crise do euro é a consequência da actuação irresponsável dos governos do sul da Europa.
Actualização do post de 8 de Junho: Quem é Quem?Abaixo estão dois gráficos para dois países, um com o saldo das contas públicas e outro com a dívida pública, entre 1996 e 2007.Que países são?Uma dica: o país A joga Sábado e o país B joga no Domingo.
O Senhor Ludger Schuknecht (Director Geral do Ministério das Finanças Alemão) achou por bem responder a Martin Wolf pelo seu artigo The riddle of German self-interest - e ainda bem que o fez. Martin Wolf claro que aproveitou a oportunidade, explora a visão do director Alemão e, de facto, se esta é a visão dominante do Governo Alemão, aqui temos mais uma prova de quão complicado será resolver esta crise.
The German response @ Martin Wolf's Exchange (Blog)
Artigo onde um Professor da Universidade de Chicago, que é conhecida pela defesa do liberalismo económico e livre funcionamento dos mercados, muda de opinião e defende a re-implementação do Glass-Steagall Act (que obrigava, entre outras coisas, à separação entre bancos de investimento e bancos comerciais). O autor explica de uma forma simples e interessante o que o fez passar de opositor a defensor do Glass-Steagall Act.
Why I was won over by Glass-Steagall @ Financial Times
Muito se fala hoje em dia sobre os juros da dívida pública. Toda a gente sabe que foram esses ditos juros que levaram a Grécia, a Irlanda e Portugal a pedir ajuda financeira. E agora toda a gente sabe que o problema são os ditos juros da Espanha e Itália.
Mas outra coisa também é certa, até 2008 nunca se tinha ouvido falar destes juros, e, se calhar, aí é que temos um grave problema. Ora para quem não sabe ou não se lembra, abaixo está um gráfico com a evolução das taxas de juro das obrigações da dívida pública a 10 anos desde 1993 para os PIIGS e a Alemanha.
A primeira coisa que se calhar para alguns é novidade são os primeiros anos do gráfico. Reparem como os juros na década de 90 eram tão ou mais elevados do que são actualmente. A título de exemplo, os juros da dívida Alemã chegaram a atingir os 7,5% em 1995 - um valor que hoje é considerado insustentável e que está acima dos valores que obrigaram a Grécia, a Irlanda e Portugal a pedir ajuda financeira, e também acima dos actuais juros de Espanha e Itália.
Bom, mas o que é que aconteceu no fim do milénio passado que levou os investidores a reverem brutalmente em baixa os juros de países como Portugal e até a equiparar o risco desses países com o da Alemanha?
Toda a gente sabe, foi criado o euro. E apesar do euro só ter entrado em circulação em 2002, não nos podemos esquecer que foi um processo que começou em 92 com a assinatura do Tratado de Maastricht.
O problema é que a criação do euro não justificava esta convergência total ao nível do risco país. Se com a criação do euro países como Portugal eliminaram da sua dívida o risco cambial, simultaneamente ganharam outro risco - o risco de falência. Mas esse risco de falência foi ignorado durante mais de 10 anos, e países como Portugal viram as suas dívidas externas aumentar drasticamente, como era de esperar. E o pior é que quando os investidores se aperceberam da situação que eles próprios criaram, estávamos a meio da crise mais severa desde a Grande Depressão, e as consequências estão à vista de todos.
O gráfico abaixo ajuda a tornar mais evidente evolução do risco da dívida pública Portuguesa. As duas linhas mostram a diferença entre as taxas de juros das obrigações a 10 anos entre Portugal e os EUA e entre Portugal e a Alemanha. Note-se que entre 98 e 2007 os juros de Portugal foram, em média, apenas 0.2 pontos percentuais superiores aos da Alemanha (4,5% contra 4,3%) - agora, como toda a gente sabe, a diferença são mais de 10 pp. E perante os EUA, entre 98 e 2000 e entre 2004 e 2007, a dívida Portuguesa pagou mesmo um juro mais baixo do que a dívida da maior economia mundial - e sim, não me enganei, mesmo no recente ano de 2007, os juros das obrigações a dez anos foram em média de 4,4% em Portugal e de 4,6% nos EUA.
Na semana passada publiquei um post que mostrava a evolução das trocas comerciais entre a Alemanha e Portugal desde 1995. Penso que ajuda a clarificar algumas das consequências inevitáveis da criação do euro.
Outra forma de ver como o euro criou enormes desequilíbrios é comparar a evolução da Balança Corrente* da Alemanha com a Balança Corrente dos famosos PIIGS (= Portugal + Itália + Irlanda + Grécia + Espanha).
A criação do Euro é um assunto que foi e contínua a ser muito discutido. Não há dúvida que persistem muitos pontos de interrogação quanto ao seu funcionamento, nomeadamente no que se refere à Zona Euro ser ou não uma Zona Monetária Óptima.
No entanto, e independetemente das questões teóricas que possam e devem ser discutidas (das quais falarei mais tarde), o Euro está criado e passados mais de 10 anos há factos que são tão evidentes e inegáveis que deveriam ser assumidos.
O gráfico abaixo mostra a evolução das Exportações e das Importações de Bens da Alemanha com o parceiro Portugal, entre 1995 e 2010.
Eu não quero que pensem que sou da opinião de que o Euro tenha sido criado com este propósito. Não sou.
Mas, de facto, o Euro tornou-se um instrumento crucial para o reanimar da débil economia alemã - que no final dos anos 90 e princípio dos anos 2000 estava entre as piores da Europa - e acabou por se revelar uma espécie de armadilha para as economias como Portugal.
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