Fala-se sobre a desvalorização do escudo. Porque é que ela aconteceria?
O escudo iria desvalorizar porque é exactamente para isso que Portugal sairia do euro. A necessidade de Portugal sair do euro prende-se precisamente na necessidade de desvalorizar a sua moeda e, como tal, isso aconteceria pelo simples funcionamento do mercado.
Voltando um pouco atrás para tentar tornar isto mais claro.
A entrada de Portugal no euro resultou na acumulação, ano após ano, de défices externos elevados e, consequentemente, vimos a sua dívida externa aumentar brutalmente. Estes défices são fruto inegável da entrada de Portugal no euro na medida em que esta adesão originou uma grande e irracional diminuição dos custos de financiamento, para além do facto de Portugal ter passado a ter uma moeda forte e controlada por terceiros.
Ora, é certo que estes défices podiam ter continuado a existir e a dívida podia ter continuado a aumentar desde que o exterior continuasse disposto a emprestar-nos o dinheiro. Mas por diversas razões entre as quais a crise que começou em 2007/2008, o exterior deixou de querer emprestar a Portugal, o efeito do euro evaporou-se e os custos de financiamento, que tinham caído brutalmente com a adesão ao euro, começaram a aumentar também brutalmente.
Portanto, teoricamente só nos resta uma outra solução: eliminar os défices externos e começar a diminuir a dívida externa.
(Notem que quando me refiro a Portugal não me estou a referir só ao Estado, estes défices externos e a dívida externa são de todos: Estado, Bancos, Empresas e Famílias. E já agora, quando falo em externo e exterior refiro-me também a tudo que não reside em Portugal e que consiste também de Estados, Bancos, Empresas e Famílias.)
Então mas como é que eliminamos os défices externos?
Não há volta a dar, temos de aumentar as exportações e/ou diminuir as importações. E há (ou havia) duas formas de o fazer, uma mais díficil e outra mais fácil. A mais difícil é a que estamos a tentar agora, chamada "desvalorização interna". A outra, a mais fácil e a que foi usada por Portugal durante vários anos é a chamada "desvalorização cambial", que como sabemos, foi uma "arma" que deitámos fora ao entrar no euro.
Mas o que é exactamente uma desvalorização? E para que serve? E o que são a desvalorização cambial e a desvalorização interna?
Uma desvalorização consiste pura e simplesmente em baixar o valor de tudo o que é doméstico, ou seja, produzido dentro do país. Significa portanto baixar o preço dos produtos nacionais quando comparados com os preços internacionais, logo tornar o país mais competitivo. Isto por um lado vai potenciar o aumento das exportações e, por outro, vai potenciar a substituição de importações por produtos nacionais.
E como já disse, podemos desvalorizar uma economia de duas formas, "internamente" e "cambialmente". Vamos usar o caso Português para ilustrar as duas.
Imagine que estamos em 1990 e que o nosso défice externo estava a aumentar para níveis indesejados, como acontece hoje, ou seja, temos de promover as exportações e desincentivar as importações. Como estamos em 1990, temos o escudo, e o Banco de Portugal o que faria era "imprimir escudos". E "imprimir escudos" não é mais do que dizer que cada escudo passa a valer menos, ou seja, desvaloriza o escudo face às outras moedas. E o simples facto do escudo desvalorizar é suficiente para automaticamente os nossos preços (que estão em escudos) ficarem mais baixos face aos preços no exterior (que estão em £, $, etc.), logo potenciar as exportações, desincentivar as importações, etc... - isto é a chamada desvalorização cambial.
Mas estando em 2012, Portugal não tem moeda própria e, como tal, não pode fazer uma desvalorização cambial. Portanto a única forma de desvalorizar a economia é reduzir os salários e por essa via baixar os preços, potenciar as exportações, etc... - isto é a chamada desvalorização interna e é o que Portugal está a fazer (ou pelo menos a tentar).
Por fim, e respondendo novamente à questão inicial, a hipótese de sair do euro culminaria na desvalorização do escudo mas por mecanismos diferentes daqueles de 1990. Se Portugal voltar mesmo ao escudo, ninguém terá de intervir directamente para que o escudo desvalorize. Tal vai acontecer pelo natural funcionamento do mercado porque é mesmo para desvalorizar a economia portuguesa que o escudo será criado; e esse facto fará com que, pelo menos no curto prazo, ninguém queira ter escudos, e ninguém querer ter escudos significa que o "preço" do escudo desce, ou seja que o escudo desvaloriza. No limite, a haver intervenção da parte do Banco de Portugal, será para garantir que o escudo não desvaloriza demasiado (um efeito overshooting é expectável).
PS: A desvalorização interna tem vários problemas e limitações, e, muito honestamente, não está a funcionar assim muito bem. Vou ver se arranjo tempo para escrever sobre isto e mostrar alguns dados.
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